Era difícil saber quando parar. Ela pousou a mão sobre a barriga, sentindo o inchaço e sorriu, melancólica. Sua mente voltou no tempo, quando ele ainda estava lá, quando eles ainda andavam juntos pelos corredores do castelo, rindo. Eram tão jovens… Ethea deixou o saco de areia balançando e sentou-se num dos bancos de madeira. Ainda treinava todos os dias, mas estava ficando mais difícil – conforme a barriga ia crescendo, menos fôlego restava em seus pulmões.

O suor escorreu por sua testa, os cabelos dourados grudavam no pescoço e ela sentiu um movimento em seu útero. Não era a primeira vez, mas o bebê costumava ser quieto. Ela sorriu novamente.

— Não se preocupe, a mamãe está bem. – falou olhando para a pele esticada. Conseguia ver suas veias, complementando o tom esverdeado de sua pele. Outro movimento, como que respondendo. Novamente ela fez carinho sobre a superfície, sentindo a energia que emanava da criança que crescia em seu âmago. O bebê estava bem.

 

Depois de um banho gelado, Ethea deixou o campo de treinamento e voltou a vagar pelas ruas. Fazia três meses desde que ele sumira sem explicação ou vestígio. Nos primeiros dias, ela se sentiu traída, chegando a matar uma parte das plantas no jardim real com seus poderes, mas logo se acalmou. Zymne não o levaria daquela maneira sem motivo, muito menos planejaria o sequestro da princesa só para se divertir. Algo mais estava acontecendo ali, algo grande. E eles a deixaram de fora. Ethea tentou se convencer que ninguém a tinha deixado a par da situação por falta de tempo, então, como se para colocar um ponto final em suas dúvidas, pediu baixa da Guarda Real – a gravidez foi muito útil ao convencer seus superiores de que ela precisava de tranquilidade para criar seu filho de um jeito saudável.

Assim que eles a colocaram na reserva, Ethea saiu pelo mundo, procurando por ele. Procurando por respostas. Tinha conseguido acompanhar uma caravana que saía de Irhullan até Loryeth. Estava na cidade há uma semana, morando numa casa humilde com uma família de mercadores. Ajudava na cozinha do quartel, o que lhe rendia algum dinheiro e o direito de usar as instalações de treinamento. Nunca se sabia o que iria encontrar pelo caminho.

 

Ethea odiava estar grávida num momento tão crucial. Estava entrando no sétimo mês e sua barriga agora estava grande demais para que ela fosse de qualquer utilidade em combate. Viajar também estava se tornando cada vez mais difícil, mas ela ainda não o encontrara. Todo esse tempo e nenhum sinal do trio maravilha. Maldito Zymne e seus portais! Claro que ninguém os veria, eles provavelmente tinham aparecido num lugar remoto e ficado por lá. Ainda faltavam dois meses para o bebê nascer e ela ainda estava longe de qualquer civilização que pudesse acolhê-la. A caravana viajava devagar por terra. A opção mais rápida seria ir pelo rio, mas era também a mais cara e ela não podia se dar ao luxo de gastar muito.

Os Raetjyns atacaram ao amanhecer e Ethea era a única que tinha qualquer chance contra eles. Sabia que não devia entrar numa batalha, mas era questão de vida ou morte para as pessoas que a acompanhavam.

— Façam um círculo em volta da caravana e deem as mãos! – ela gritou, em comando. Sua confiança foi o suficiente para fazer com que as pessoas obedecessem. Imediatamente, ela pode sentir a vida que se acumulava em cada pessoa ali. Assim que uma das criaturas tocou alguém, Ethea sentiu o fluxo começar a correr – o monstro bebia a energia com uma vontade! Usando de toda a sua concentração, Ethea reverteu o fluxo. Foi o suficiente para espantar o Raetjyn.

 

Era noite quando as contrações começaram. A caravana ainda estava distante de qualquer civilização, mas não havia mais tempo. Eles estavam acampados às margens do rio e o céu pipocava de estrelas cintilantes e uma lua grande e brilhante. Sem fazer barulho, ela saiu da tenda e foi cambaleando até a água. Os intervalos diminuíam rápido, ia ser logo.

Não havia sacerdotisas ali para abençoar o nascimento e sua mãe estava a quilômetros de distância, no reino vizinho. Ethea estava sozinha. Seu pé tocou a água gelada e, por um momento, ela se sentiu revigorada. Era como estar em casa, de volta às cachoeiras de sua cidade natal. Sem uma sacerdotisa para controlar a correnteza, Ethea não foi muito rio a dentro, apenas o suficiente para que pudesse deitar no cascalho e deixar que a água molhasse suas costas, mãos e pernas. Fez questão de ficar de frente para o acampamento.

A dor estava mais forte agora e ela não conseguia mais segurar os gritos, todos foram acordados e logo se aproximavam para ver o que acontecia. Uma mulher tentou convencer Ethea a voltar para a tenda, onde era mais seguro. Ela não podia fazer isso, sabia que não conseguia andar e, tão longe de casa, queria que pelo menos parte da tradição fosse honrada – daria a luz no rio.

A mulher ficou ao lado da Lerifd, servindo de apoio e vigia. Quando o bebê nasceu, o choro ecoou pelas árvores e Ethea se deixou cair na água enquanto sua companhia cuidava para que seu filho não se afogasse.

— Meus parabéns, é um menino. – ela ouviu, enquanto fechava os olhos e ouvia o som da água corrente. Ele precisava de um nome… Sua mãe não estava ali para escolher. Ninguém que conhecia, que amava, estava ali para acompanhar aquele momento. Sozinha. Ela não percebeu quando as lágrimas começaram a escorrer.

 

Kior era um dos menores vilarejos de Ehjslet, mas Ethea não estava preocupada com isso. Seu filho estava em seus braços, dormindo. Tinha sido um longo mês desde que ele nascera. A primeira vez que o abraçara, no rio, pode ver o quanto ele era parecido com o pai. Kior seria o seu novo lar. Ethea sabia que sua jornada tinha terminado.